Savana Caetano: “Eu não ligo muito para essas coisas negativas em relação a mulher jogar futebol.”

Primeira entrevistada do projeto “A Negra no Futebol Brasileiro”, Savana Caetano se lesionou no primeiro teste que fez em busca da profissionalização, e mesmo a mais de um ano sem jogar nunca pensou em desistir do sonho de ser uma jogadora profissional de futebol
Por Natália Silva
O início do amor de Savana Caetano pelo futebol se confunde com o de vários meninos e meninas pelo Brasil, desde que se começou a prática em terras tupiniquins no final do século XIX: jogando bola na rua. Daí, inclusive, que alguns dizem ter surgido o estilo de jogo brasileiro, malemolente. No famoso livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, que inspirou o nome deste projeto, o jornalista Mario Filho fala sobre as diferenças dos que cresceram a jogar nas ruas e com bolas improvisadas: “As bolas de meias ficavam mais no chão. Quase presas ao pé, aperfeiçoando, nos moleques, o que se chamaria, mais tarde, o domínio da bola”. Deixando um pouco de lado, as críticas à a obra, muitos craques brasileiros começaram nas ruas e campinhos de terra.
E foi assim para Savana, o caminho natural se seguiu e das ruas ela migrou para a quadra poliesportiva de Malhada de Pedras, uma pequenina cidade que fica no meio do sertão da Bahia, a 600km da capital do estado. Ser de uma cidade pequena não assusta a malhadapedrese, mas ela sabe e sente o peso que tem ser a primeira mulher no município a tentar a profissionalização no futebol. No entanto, reconhece, também, a influência que o ambiente teve em sua escolha.
Por aqui se respira esporte, eu quando criança, por exemplo, jogava na quadro poliesportiva até no sol do meio-dia quando não havia outro horário disponível. Os torneios nas quadras, campos de terra das comunidades rurais e no Estádio Municipal, estão sempre lotados. Mas quase sempre com homens. Savana conta, que apesar de ter acontecido poucas vezes, “quando a gente fala para alguns que quer ser jogadora, percebe um olhar diferente. Não chegam a falar nada , mas ficam calados de uma forma que a gente percebe que não vê como algo positivo”. Ela inclusive, por um tempo teve que praticar com os meninos e apesar de sonhar com os campos, tem que treinar na quadra, através do futsal, porque não têm times femininos que jogam em campo, regularmente.

O teste no Esporte Clube Bahia, em janeiro de 2019, foi um marco para ela. Ao mesmo tempo em que se sentiu feliz em poder, finalmente, tentar chegar a um clube em que pudesse se tornar jogadora profissional, tudo terminou de um jeito triste. Torceu o joelho, rompeu o ligamento cruzado, e desde então passou por um logo tempo de espera até conseguir o tratamento pelo SUS, cirurgia, fisioterapia, depois investiu no fortalecimento do joelho através de musculação e, mais recentemente, crossfit. Só voltará a jogar no início do ano que vem, pouco mais de dois anos após o fatídico dia.
“Na hora não pensei nisso porque não sabia a extensão da gravidade, eu fiquei só com a mente pesada. Depois de muito tempo que foi caindo a ficha porque eu fui saber que precisava de cirurgia para voltar a jogar quando já tinha mais de seis meses da lesão. Eu fui digerindo aos poucos”.
Mas, apesar de ter sentido muito medo de se machucar novamente quando voltou a andar sem muletas e, posteriormente, quando voltou a correr, Savana não pensou em desistir do seu sonho. Tudo que fez, no processo do tratamento, foi para se curar, mas já pensando em tentar o caminho do futebol outra vez. Além de novos testes na capital baiana, a jovem de 19 anos já planeja expandir as tentativas para times de outros estados, onde surgir uma oportunidade.
Para Savana, o futebol feminino brasileiro precisa de mais visibilidade para crescer. Principalmente, na televisão porque na maioria das vezes só vemos homens e isso faz com que as pessoas não tenham o hábito de se programar para verem futebol feminino. Mas as recentes contratações de mulheres para o comando do futebol feminino na Confederação Brasileira (CBF), foi uma lufada de ar fresco, segundo ela “quanto mais mulheres mostrando que podem fazer essas coisas, melhor é. É time feminino e a gente quase não vê mulheres comandando”.

Mas até a nossa conversa, Savana nunca tinha parado para pensar na falta de mulheres negras nesses mesmos espaços. Confesso que eu, também, demorei a perceber o quanto historicamente o feminismo, como muitos outros espaços de debate, é eurocêntrico. A gente foca tanto em visibilizar que os cargos de comando e intelectuais em torno do mundo do futebol é ocupado por homens que, às vezes, não percebemos que nós negras somos duplamente negligenciadas porque a maioria, das poucas mulheres que participam, são brancas. Em ambos os gêneros, o negro é visto como operário da bola, com o pé bem fincado no chão da “fábrica”. Por isso que o intuito de A Negra no Futebol Brasileiro é contar as histórias de mulheres negras, para que a gente se veja, se encontre e perceba qual a nossa posição no “front”.
A Negra no Futebol Brasileiro é um projeto de Natália Silva na Revista Gambiarra, subsidiado pelo Black Lives Matter Football da Fare Network.