Opinião
8 de abril de 2022
Primeiras impressões sobre Audiência Pública para apreciação do pacote de leis da cultura
A Audiência Pública para apresentar o pacote de leis de regulamentação das políticas de Cultura, promovida pelo vereador Chico Estrella, teve muitos aspectos de relevância, num momento em que o Município se vê, de fato, diante de uma escolha decisiva. Uma encruzilhada, dois caminhos. Um, é seguir o fluxo da insistência e se permitir ser uma cidade que se reconhece, sabe da própria identidade, se identifica com ela e é guiada por instruções normativas elaboradas por entidades absolutamente e reconhecidamente competentes. Outro, a escolha de se tornar uma cidade repleta de oficinas mecânicas, lojas de autopeças, postos de gasolina… uma cidade-entroncamento, lugar (ou não-lugar) de passagem, sem identificação, onde não se sabe muito sobre uma ou duas gerações anteriores. É sobre isto que tratou a audiência.
O pacote de leis apresentado é da autoria do advogado Alexandre Aguiar, e seu conteúdo foi referenciado e recomendado por parecer do Conselho de Cultura em 2021. É um conjunto de regulamentações que, em resumo, orientam a proteção e estímulo à preservação do Patrimônio Cultural, cria uma Empresa Pública Municipal de Cinema e Audiovisual e implanta um Projeto de Lei do Fundo e Incentivo Municipal ao Cinema e Audiovisual. É uma proposta sustentável, viável, ao mesmo tempo que ousada e tem um olhar sobre um futuro possível para o autorreconhecimento da cidade e para a profissionalização da arte. Acima de tudo, é preciso destacar que se trata uma ação altruísta e um exercício de cidadania, esta contribuição do advogado. Ele oferece ao Poder Executivo um instrumento possível para impulsionar as políticas de cultura, que representam, hoje e de fato, fatias fartas nos orçamentos gerais.
Esta proposta significa o amadurecimento das políticas da cultura, aponta para elas um caminho dentro de uma legislação própria, concebida originalmente para ser executada em Vitória da Conquista. Obviamente, sua execução pressupõe a qualificação técnica dos gestores que vão lidar com essas normas, que vão manusear, planejar, executar, prestar contas. Tudo isto exige formação e conhecimento técnico, e esta é uma questão sobre a qual a prefeita Sheila Lemos e seus técnicos das áreas envolvidas terão que se debruçar após o projeto de lei ser enviado à Câmara pelo Executivo, como é esperado por toda a sociedade.
Tomei a liberdade de dizer “como é esperado por toda a sociedade” pela representação da sociedade civil na audiência, que durou exatas quatro horas e manteve média muito acima do que é experimentado historicamente nas audiências públicas da Câmara de Vereadores. A qualidade das participações mostrou a força que o setor audiovisual tem, e como ele está interferindo diretamente na vida da cidade há tempos, e impactando de maneira contundente a economia local. Portanto, ficou muito clara a força política do setor caso ele se organize neste sentido, bem como ficou exposto ali o fato de que as políticas para este setor podem orientar as políticas dos outros, uma vez que o audiovisual demanda de todos eles.
Outro debate importante que o pacote suscita é a necessidade da interseccionalidade, ou seja, a participação efetiva do máximo de secretarias nos projetos da Cultura. Esta possibilidade, estimulada mesmo que indiretamente pelo pacote de leis, naturalmente, vai acabar orientando as demais secretarias para este modelo. Uma espécie de compartilhamento de ideias, orçamentos, gestões de projetos, concepção e execução conjunta de projetos e tantas outras possibilidades que desamarram os nós da burocracia técnica e permite que essas pastas possam respirar e ter criatividade com responsabilidade e domínio técnico.
Também houve as ponderações pertinentes e pessimistas de que a política está desacreditada, ou, nunca as coisas ditas são feitas, o que leva as pessoas a cruzarem os braços em descrédito, tendendo a não fazer nada. Obviamente não há muito o que fazer diante de nada, ou leis e decretos sem fundamentos ou mesmo a decência de uma correção gramatical nas leis obsoletas. A esses, com quem concordo sob o ponto de vista de que “a vantagem de ser pessimista é toda notícia ser boa”, peço o esforço da leitura da peça jurídica proposta, e da participação nos diversos grupos que estão surgindo para discutir este assunto. O momento é este, e temos adiante as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 para serem executadas. Precisamos consumir o máximo de recursos, trazer para a cidade todo este capital e fazê-lo circular. Para tanto, precisaremos de gestões extremamente responsáveis e capacitadas técnica, moral e cognitivamente. Faço votos que teremos!
Àqueles pessimistas, recomendo ainda a prudente lembrança da razão das políticas de cultura ficarem para trás. Ao tratar da cultura, dos costumes, dos saberes, estamos lidando com um tecido muito delicado. Porém, o Estado tem a mão grossa, pesada, desajeitada para lidar com aqueles tipos de texturas, e o tecido se esgarça. Como a imagem da Casa Memorial Régis Pacheco, com sua fachada perfurada de pregos para fixar mangueiras de luz em datas festivas. A cada chuva, a Casa se desmancha, escorre ali o barro do reboco e mostra seus ossos, aqueles adobes feitos por gente do Ribeirão dos Paneleiros há cem anos.
Porém, o momento mais solene, mais brilhante, e talvez menos percebido, foi a presença de Antônio Carlos Limongi, produtor da cena cultural brasileira dos tempos da Ditadura Militar, diretor de produção de uma das peças de teatro mais revolucionárias daqueles anos de chumbo, “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá” (Rio de Janeiro, 1973), anos muito ruins para os realizadores da cultura, piores que os dias de hoje, por incrível que possa parecer. Este resistente revolucionário, o pequeno hippie, também foi produtor das duas entre as cem peças mais importantes da Música Popular Brasileira, os discos da série Cantoria. Limongi foi, de fato, o apresentador para o Brasil das obras de quatro dos maiores bardos da cultura brasileira, entre eles o Xangai, que justamente lembrou da importância que o produtor teve em sua vida. E, sim, Xangai, precisamos acolher Limongi, e me coloco à inteira disposição pra isto. Talvez nem todo mundo saiba, mas pessoas como você, eu e outros, sabemos quanto vale este Cara!
ÚLTIMA HORA
Nesta sexta-feira, 8 de abril, o Pacote de Leis foi apresentado como indicação para o Executivo e aprovado por unanimidade. O meio audiovisual e outros ligados à arte, cultura e espetáculo não se empolgaram muito com a votação, e com toda razão. Primeiramente, sabe-se que indicação nada mais é do que um vereador recomendar ao chefe do executivo uma ação que vai ser custeada pela prefeitura mas vai dar votos ao legislador. Depois, ninguém acredita mesmo em políticos por razões óbvias.
Porém, mesmo que vereadores não leiam indicações e votem em bloco como princípio da Casa, está legitimado e justificado o desejo do setor audiovisual, da secretaria que faz a gestão da Cultura, e da população em ter um respaldo legal como este proposto. Afinal, o Poder Legislativo Municipal, uma vez aprovando a indicação, faz coro a todos aqueles que estiveram na Câmara na última segunda-feira.
Próximo passo é manter a mobilização atenta para que, caso isso demore demais nos Gabinetes do Executivo, ela acione a Câmara de Vereadores para gritar e lembrar a urgência desta pauta.
Sobre a precariedade deste processo, sim, lamentável. É o melhor que pode oferecer no momento uma cidade na qual secretários de cultura anteriores ameaçavam, mentiam e fraudavam, e, mesmo com disponibilidade de recursos, chegaram ao absurdo de sugerir que artistas fossem pedir esmola em feira. A julgar pelas escolhas do novo governo municipal, e pelo andamento das questões ligadas às políticas da Cultura, alguma coisa (boa) está acontecendo. Porém, os realizadores da arte, cultura e espetáculo de hoje têm se mostrado competentes e dispostos a buscar informações, e esta é a grande diferença.
Veja a audiência completa: