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2 de maio de 2015
Geleia Geral: Do lundu ao pagode baiano em um dia
O Festival da Juventude – Ano 3 proporcionou, no seu segundo dia de realização, uma incrível experiência sonora para quem é admirador de música baiana
Em 1902 (ou 1904, há controvérsias), o baiano Xisto Bahia fez o primeiro registro musical gravado do país, a canção em questão era o lundu “Isto é bom”. Foi com ela que o novo baiano Paulinho Boca de Cantor começou o “Papo de Poeta”, espaço do Festival da Juventude reservado para as trocas poéticas e musicais com compositores renomados.
Sabemos que sonoramente tudo começou com os índios e suas manifestações culturais e religiosas e que a chegada do homem branco e seus costumes, suas cantigas, modinhas e instrumentos fez com que se popularizasse a prática de sarais e festas de ruas na velha cidade de Salvador. Porém, segundo o ainda cabeludo La Bouche*, foi nas senzalas e demais espaços de opressão do negro que a nossa música começou a tomar o corpo e a identidade que possui hoje.
A ideia de trazer o lundu, além de já criar uma linha do tempo definida por ano de gravação, vem comprovar o clichê da junção africana, índigena e europeia na nossa formação. Em seguida, Paulinho e seus músicos passam a destacar os primeiros sambas baianos gravados pela maior exportadora da música brasileira do início do século XX: a portuguesinha Carmen Miranda. “Yayá Yoyô” de Josué de Barros e “Yayá Baianinha” de Humberto Porto foram as escolhidas para representar o começo da popularização do samba, que surgiu da mistura das cantigas da corte com o semba das senzalas.
Seguindo a linha de raciocínio, Dorival Caymmi ganha a voz de Paulinho Boca no Centro Cultural Glauber Rocha. Também muito gravado por Carmen Miranda, Caymmi é, junto a Jorge Amado, a maior referência da cultura praieira baiana e deixou um legado inquestionável para o país. E claro, como não poderia faltar, logo depois vem o mestre João Gilberto, responsável pela guinada do Novos Baianos no mundo do samba e criador da Bossa Nova, nosso produto-cultural exportação mais querido.
Nesta linha, o samba não parou até o fim do papo musical, abrindo uma brecha apenas para a balada roqueira “Maluco Beleza” de Raul Seixas e para a fase tropicalista e pós-tropicalista da Bahia. Canções que muitas vezes são atribuídas aos seus intérpretes sulistas também foram lembradas, bem como “Verdade” de Nelson Rufino (famosa na voz de Martinho da Vila) e “Não Deixe o Samba Morrer” (hit na voz da marrom Alcione).
Os fãs dos Novos Baianos, grupo maluco que misturava comunismo com futebol e muito amor, também foram contemplados com duas belíssimas interpretações do ex-integrante. “Dê um Rolê”, “Swing de Campo Grande” e “Mistério do Planeta” foram acompanhadas em coro pela juventude de todas as idades presente no local.
Quem ficou para os shows da noite, como eu, pôde contemplar uma extensão da aula de musicalidade baiana dada por La Bouche. A primeira noite de atrações no palco do festival estava repleta de artistas baianos. O indie-rock da Dost, passando pelas referência rockabillísticas da Ladrões de Vinil e o punk rock tosco todo da Cama de Jornal nos mostra a força e a diversidade que o rock na Bahia atingiu, por exemplo.
E finalizando a noite, a aula prática do Baiana System, que mistura tudo num grande caldeirão, bastante temperado com o pagodão baiano (ou suinguera) e elementos da música jamaicana e eletrônica. A guitarra baiana de Robertinho Barreto nos lembra Dodô e Osmar, ao mesmo passo que com a ajuda de Russo Passapusso nos transporta pra um futuro muito bem bolado para o que a Bahia ainda pode fazer.
*apelido de Paulinho Boca na sua época de Novos Baianos