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30 de novembro de 2021
A beleza do Ilê está de volta
“Quem é que sobe a ladeira do Curuzu?
E a coisa mais linda de se ver
É o Ilê Aiyê
O mais belo dos belos!”
O mais belo dos belos está de volta! Depois de uma longa pausa, em função da tragédia (ainda não terminada) da COVID-19, a Senzala do Barro Preto voltou a abrir suas portas no último domingo, 28, e nós estávamos lá para conferir de perto tudo o que rolou neste tão aguardado momento.
Olha só! Teve de tudo! Em meio à euforia e entorpecida de grandes emoções, a noite começou com um pedido de casamento, Diogo Fernandes subiu ao palco com um buquê de flores e proferiu o pedido à sua amada, a deusa do ébano Tais Carvalho.
Pois bem, logo após o pedido bem sucedido do enlace, a comoção seguiu presente na casa. A Band’Aiyê, comandada por Graça Onasilê, entrou em cena e os tambores chacoalharam os corações de todos os ali presentes.
A entrega e dedicação eram absolutas, um espetáculo diante dos olhos. Os dançarinos pareciam querer voar sobre o público. Nos intervalos entre uma música e outra quem conduzia a festa era a mistura de lágrimas e sorrisos.
Numa conversa com o Vovô do Ilê, Antônio Carlos Santos, ele nos falou sobre a emoção de ver os ensaios voltando a acontecer na Senzala do Barro Preto, na Liberdade.
“O pessoal tá fazendo gozação falando que eu tô chorando, mas isso aqui é um cisco no olho! (risos). É muito emocionante depois de dois anos você ver aqui a Band’Aiyê só formada por jovens que foram criados aqui, e você ver a galera vindo aqui na Senzala, e orgulhosa, é muito forte isso.”
Seguindo o papo, ainda falamos com ele sobre a participação do bloco no AfroPunk Bahia, no dia anterior, o retorno do Ilê aos palcos e a luta pela valorização dos blocos afros neste contexto do acontecimento ou não do carnaval de rua em Salvador, uma vez que megaeventos privados já estão agendados e devem acontecer ainda que o Governo do Estado decrete que não haverá a tradicional folia de rua:
“Os empresários têm suas preferências. Se o povo negro não sentar junto e resolver bancar suas coisas, como este evento aqui, que contou com a presença de parceiros também, se a comunidade não chegar e fazer o dinheiro circular entre a gente, vai ficar muito complicado. Porque a gente sabe que já é uma cultura da Bahia, do Brasil, do empresariado [ter o seu nicho] preferido. É uma questão de aptidão deles, de opinião, e nós, que somos consumidores, continuamos consumindo os produtos sem exigir que eles nos dêem o retorno. Não tem muito o que mudar. Por isso que eu não acredito que vai ter este Carnaval, que as entidades de matriz africana não vão ter condição de sair no carnaval. […]
Esse tipo de festival [o AfroPunk] deveria acontecer com mais frequência no Brasil e aqui na Bahia. Tem que sensibilizar os empresários, o governo, a prefeitura para entender a importância e o retorno que isso dá à cidade. Então o afropunk foi muito bem-vindo! Eles (o empresariado, o Estado e a Prefeitura) tem que começar a entender que o grande lobby daqui é a cultura negra, é a cultura do tambor. Hoje o turismo aqui é produzido pela cultura do tambor que os blocos afro trazem e produzem. Antigamente as referências que haviam eram o carnaval do Rio, desfiles de escola de samba e hoje é o tambor da Bahia. Hoje você chega aqui tem Ilê, Olodum, Malê Debalê, o tambor da Bahia. Liberdade, igualdade e respeito!”
Retornando em grande estilo, a noite contou com a participação de Márcio Victor. O cantor estava radiante, era visível seu estado de felicidade em estar ali comandando o espetáculo. Em entrevista ele falou sobre o início da retomada dos eventos e a reações da população sobre o tema.
“A gente mora na cidade da música, do turismo, da cultura, onde muitos dos nossos perderam o sonho de viver da cultura, de trabalhar com isso por um descaso com a cultura. Os artistas hoje acabam sendo perseguidos pela grande mídia, pelos haters na internet, que não sabem o quanto é triste ouvir estas abordagens desnecessárias pois no nosso meio também há empresários e artistas responsáveis que foram tratados como vagabundos por estarem produzindo eventos, mesmo com liberação do governo para que estes acontecessem.”
Ao terminar a segunda ou terceira música em sua participação, Márcio pediu para a banda segurar um pouco e confessou um segredo. Quem esteve no ensaio sabe e o restante da humanidade continuará sem saber. Opa, pera lá! A gente conta! Márcio confessou que tem o sonho de sair na avenida puxando o bloco do Ilê juntamente com a banda. Sob os olhares de algumas centenas de testemunhas, o cantor do Psirico fez um “pedido-convite” para Vovô do Ilê. A resposta ainda não sabemos, quem sabe veremos essa fusão quando for possível a realização da maior festa popular do mundo.
Eu tenho um sonho de sair com o Ilê na avenida cantando, um dia com meu povo, eu tenho certeza que será um negócio histórico reunindo a massa que acompanha o Psirico com a que acompanha o Ilê. Eu sou muito fã e não quero morrer sem antes ter a oportunidade de cantar com o Ilê Aiyê, a minha história tem muito a ver com o badauê, com o Ilê Aiyê então, alô diretoria, alô Vovô do Ilê, tá feito mais uma vez o pedido com toda humildade de ver se posso cantar um dia com vocês, pois vocês são o máximo respeito na vida de todos os envolvidos.”
A proposta do Ilê é seguir com os ensaios durante o verão, de acordo com o atual diretor do Ilê, Edmilson Neves:
“A gente vai falar de carnaval e falar desse assunto na perspectiva do Ilê Aiyê é um carnaval para a nossa comunidade. Ele acontece pois são mulheres negras, homens negros que quando se organizam para sair no carnaval são os mais belos dos belos, e quando falo isso, falo pensando em cultura, educação e saúde, brincar o nosso carnaval significa uma expressão muito interessante. A gente pensa em alternativas a serem construídas para o período a depender do que for autorizado ou não, mas antes da gente ser um bloco de carnaval, nós somos uma organização que tem que cuidar de todos que estão aqui, cuidar da saúde, preservação. A gente já perde muito por exclusão social, a pandemia chegou para todo mundo, mas ela chegou pra nós indo na nossa ferida e dizendo “vocês continuam sendo excluídos, morrendo mais”, imagina o Ilê Aiyê que está num processo de construção social, de cidadania. O que queremos é fazer as coisas acontecerem no maior nível de inclusão possível. Logicamente falando nós caminhamos com a logística do sistema, mas caminhando pontuando todas as possibilidades de inclusão, respeito e igualdade, onde quero que as pessoas saiam daqui [do ensaio] hoje felizes e pensando sobre o que viram aqui e querendo fazer parte da nossa transformação. Carnaval pra gente vai existir sim, mas a nossa prioridade é a vida”.
Para isso, nosso pedido é: vacinação, uso de máscaras e cuidado com o próximo. Quem se sentir seguro, vale muito presenciar a beleza de uma noite com o Ilê, o mais belo dos belos.

Marcio Vitor e o Ylê Aiyê